Existem jovens que sentem nostalgia por não ter
sido jovens em gerações passadas. Saudade do enfrentamento com os militares dos
anos 70, da organização estudantil nas ruas, do sonho
socialista-comunista-anarquista-marxista-leninista. Ter saudade da ditadura é
ter saudade de conhecer a tortura, o medo, a falta de liberdade e a morte. Ser
jovem naquela época era coexistir com a morte, ver os amigos ser tirados das
salas de aula para o pau-de-arara, para o choque elétrico, para as humilhações.
Da mesma forma, quem sente nostalgia dos anos 80 se esquece do dogmatismo
limitante das tribos daqueles tempos, fossem punks, góticos ou metaleiros.
Hoje, é a vez dos mauricinhos-patricinhas-cybermanos-junkies, das raves, do
crack, da segurança dos shoppings e do Beira- Mar. Um cenário que pode parecer
aborrecido ou irritante para muita gente que tem uma visão romântica de outras
décadas. Mas nada melhor que a liberdade que temos hoje para saber qual é a
real de uma juventude e de uma sociedade. Hoje, a juventude é mais tolerante
com as diferenças. Hoje, existem ferramentas melhores para a pesquisa e a
diversão. Hoje, a participação em ONGs é grande e isso mostra um país que
trabalha, apesar do Estado burocrático. O país está melhor. Falta muito, mas o
olhar está mais atento, e até o sexo está mais seguro. Não temos hinos
mobilizadores, mas nem precisamos deles.
O jovem
de hoje não precisa mais lutar pelo fim da tortura ou por eleições diretas,
pois outras gerações já fizeram isso. Se o país necessitar, é verdade, lá estarão
eles de cara limpa, pintada, o que for. Mas é bobagem achar, como pensam os
nostálgicos, que tudo já foi feito. Há muito por realizar pelo país. Seria bom,
por exemplo, se a juventude participasse de forma mais efetiva na luta pela
educação e pela leitura. Sim, porque lemos pouco, muito pouco. Ler mais vai
fazer a diferença. Transformar a chatice da obrigação de ler Machado de Assis
no prazer absoluto de ler Machado de Assis. Repensar a escola também é
fundamental. Dar ao aluno mais responsabilidade pelo próprio destino e a chance
de se auto-avaliar e avaliar seus professores. Reformular o sistema de
avaliação e transformar a escola numa atividade de prazer: trazer para dentro
dos colégios os temas da atualidade, além de transformar numa atividade doce o
trinômio física-química-biologia.
Vivemos
num país que mistura desdentados com marombados, famintos com bad boys, motins
em prisões com raves na Amazônia, malabares nos cruzamentos com gatinhas
tatuadas, crianças com 15 anos na Febem e outras com 15 na Disney. É Macunaíma
dando passagem aos tropicalistas, numa maçaroca que é o samba-enredo chamado
Brasil. É um país com muitas diferenças – e acabar com elas é papel dos jovens.
A juventude deve, acima de tudo, saber desconfiar das verdades absolutas.
Desconfiar sempre é ser curioso, pesquisador, renovador, transgressor. Seja
intransigente na transgressão. Sempre diga não ao não–e desafine o coro dos
contentes.
Serginho
Groisman
Fonte: Revista Veja
Pauta:
Professora Cidinha